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sexta-feira, 30 de março de 2012

RESTAURANTES

Não encontrei notícia do primeiro restaurante de Teresina. Anotei reclame de jornal que oferecia os préstimos do Hotel Teresinense, em 1875, ao público: bifes e carne assada, no almoço: sopa, carne cozida e assada no jantar. Pratos abarrotados. Comia-se até fartar. Li, em jornal do anos seguinte, sobre o estabelecimento de José Pico, com o nome de CASA DO PASTO - e ele era vaidoso da sua tenda de comedoria: anunciava comidas italianas, francesas, portuguesas e inglesas. Aos domingos, PANELADAS DE MOCOTÓS.

Quando vim de Barras, terra boa do Piauí, lugar do meu nascimento, para Teresina, acompanhando o pai e a madrasta, filho único que eu era, - a família alugou casa na rua da Glória (Lisandro Nogueira), mas depressa se arrumaram os trens e deu-se a muda para a rua São José (Félix Pacheco). Nos dias dominicais, o saudoso genitor me mandava ao Bar Carvalho, o mais freqüentado da cidade - café, sorvete, chocolate, refrescos, no amplo salão de frente para a Praça Rio Branco; por trás outra sala espaçosa, em que se alinhavam as mesas para o almoço e o jantar. Que comida! Zecão, o popularíssimo proprietário, contratou cozinheiro espanhol, o Gumercindo, cheio de banhas, o criador de um prato que dava água na boca, pois o cheiro bom da iguaria obrigava as papilas gustativas a extraordinário funcionamento - o filé de grelha, feito na chapa do fogão, e o mestre cuca o enfeitava com duas azeitonas, um pouco de alface, farofa e umas vinte ervilhas.

Lá ia eu, a carregar marmitas, buscar a bóia do domingo, no Bar Carvalho. Meu pai dava folga à competente e carnuda cabocla cozinheira no dia do Senhor. Na mercearia defronte da residência, do português José Gonçalves Gomes, completava-se o almoço com a gostosa sardinha de Portugal.

Conheci o restaurante do DOUTOR, especialista em mão-de-vaca e panelada. De segunda classe. refeição apetitosa, que o freguês carregava de pimenta malagueta de soprar o vento. Alguns cachorros vadios aguardavam, olhos pedintes, o osso que os mal-educados atiravam ao chão, depois de limpá-los, como roedores.

Na década de 40, Pedro Quirino fundou o RESTAURANTE ACADÊMICO, com freguesia de operários e doutores. Comida boa, barata, limpa, elogiada.

Nesses bons tempos comer representava um gesto de sabedoria. Comer desofisticadamente. Comer sem tinturas, comer sem estrangeirice, comer sem bebida de refrigerantes engarrafados, nisto vale sabedoria. Sabedoria de vida.

Teresina ingressou na ERA dos acepipes sem graça e sem gosto. Paga-se o luxo, a gorjeta gorda, a notícia no jornal. Refeições melosas, coloridas, de preço sem peias. Naqueles velhos tempos, o garçom punha o prato de arroz e o escolhido no cardápio defronte do cliente e este ficava a vontade, usando os pirões da forma que lhe aprouvesse. De algum tempo a esta data, o empregado comanda o modo de servir - e de colheres, treinado, vai botando em escolhidos espaços do prato uma porçãozinha de cada cousa que compõe o raquítico almoço ou jantar de gente de dinheiro fácil. Existem pratos do universo internacional, mais caros e mais intragáveis.

Restaurantes dos velhos tempos da Teresina de dinheiro pouco, dinheiro de pé-de-meia, - da Teresina do Manuel Português, que vendia empada, e uma só punha o sujeito de barriga cheia, sem necessidade de almoço ou jantar. Empada sadia, que dispensava o óleo de rícino para limpar as tripas.

O que passou, passou - verdade estabelecida por Gervantes no tempo em que os homens escreviam para a eternidade.


A. Tito Filho, 26-27/04/1992, Jornal O Dia

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