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quarta-feira, 7 de março de 2012

DA COSTA

Muitos, dezenas, estudaram Da Costa e Silva nos seus aspectos clássicos, e simbolistas, parnasianistas, no seu lirismo e no seu sensualismo, estas cousas de que o vulgo pé-rapado, não entende, nem deve entender.

Quando Dirceu Arcoverde me convocou para escolher as poesias que figurassem nos painéis da praça Da Costa e Silva, em número de quinze, escolhi depressa as que inspiraram na terra e nas paisagens piauienses, nas atividades do homem, nos quadros da natureza e nos sentimentos que exprimissem tristeza ou alegria, e no rio de presença perene no coração do poeta. E desse tipo de poemas encontrei doze. Completei a exigência com os versos de Fé, Esperança e Caridade, que o zepovão não entende, e com os hinos do Piauí.

Gosto de Da Costa quando ele se lembra do seu vilarejo, Amarante, pois aí lhe decorem os brincos da infância irrequieta. Admirava-a nos encantos naturais e não a deslembrou da igrejinha branca nem do povo feliz - o povo "que ri das próprias mágoas".

Ninguém recordou com tanto realismo o conhecido engenho de madeira.

Noutros versos fixa o espetáculo cruel da derrubada da mata, o baque da árvore, cujo tronco reverdece com a chuva, como se fosse o protesto da vida renovada "a Queimada" condena a alma desnaturada do homem, a natureza a chorar, calada. Em "O Inverno" está a ressurreição da natureza, e o poeta anuncia o amor e a abastança. O soneto "Aboio" canta o sertão, a vaquejada, a ferra dos animais, a rês desgarrada. Noutra inspiração, invoca a balsa, "a embarcação simples e boa", como ele diz.

Longe do Piauí, no Recife, a saudade, a angústia. Lembra-se da mãe, do rio, dos friorentos dias do fim do inverno, e cria um dos mais lindos e tocantes sonetos na língua portuguesa, - a cantiga das águas soluçantes, o caburé com frio, os gemidos dos canaviais, as barbas do Parnaíba famoso, o mugido dos bois da terra distante. No poema a definição sem defeito da saudade que o tortura - o olhar de minha mãe rezando, asa de dor do pensamento.

Gosto de Da Costa quando ele canta o Piauí. Não o aprecio nas poesias em que segue os caminhos das apelidadas escolas literárias, que a gente entende depois de tomar lições de estética. Melhor compreender o grande amarantino por intermédio do indestrutível Freud.

Da Costa, nas noites recifenses, fugindo da saudade por via da bebida - "Álcool!" Para esquecer os tormentos da vida e cavar, sabe Deus, um tormento maior" - Da Costa continua o maior cantor da terra natal e o apaixonado do riozão, cujas águas, no mundo infantil, lhe plasmaram o espírito e lhe deram, como prêmio, a perenidade de gratidão dos seus conterrâneos.

A poesia nascida dos sofrimentos interiores do poeta permanece imorredoura. Bendita cidade do Recife, que fez o poeta chorar por dentro e oferecer ao Piauí a melhor poesia de todos os tempos.


A. Tito Filho, 23/01/1992, Jornal O Dia

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