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quarta-feira, 28 de março de 2012

AINDA O NATAL

Dezembro, 1991. O boletim informativo completou seis anos, como órgão oficial da Academia Piauiense de Letras. Circulou a primeira vez em janeiro de 1986, e sempre se manteve em circulação por todo o Brasil, mês a mês, divulgando aspectos da cultura piauiense e dos outros estados, informando a respeito das atividades acadêmicas. São preciosas, como fonte de consulta, as suas edições. Notáveis escritores nacionais testemunharam o valor do nosso trabalho e exaltaram a nossa conduta. Respeitamos as autoridades constituídas, mas não abdicamos da crítica séria e severa sobre a população brasileira, noventa por cento da qual sem acesso aos bens primários da vida, em estado de miséria absoluta uns milhões de patrícios infelizes. Escreveu recentemente artigo de maior importância Dom Eugênio Sales, cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, intitulado O SENTIDO DO NATAL: "Hoje estamos submersos em um lamaçal, cujos responsáveis são de difícil identificação. Parcelas se diluem no tempo e em diversas camadas sociais. O fato concreto é que se torna irrespirável o ar que nos envolve, fruto de uma profunda degradação moral de alguns elementos da elite dirigente, cuja consciência descamba para a irresponsabilidade. Trata-se de uma minoria que resiste aos esforços moralizadores".

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Com irrecusável autoridade Dom Eugênio revela o tristissimo retrato do Brasil do nosso tempo e o faz em nome da Igreja do Cristo. Pensamos que as instituições culturais têm o dever de zelar os valores morais da pátria e condenar o festival de males que uma pequena porção de homens milionários espalha pela sociedade na ostentação do luxo afrontoso e na criminosa exploração dos humildes, ajudados por autoridades oficiais que os acobertam e lhes concedem propinas formidáveis, na divisão dos lucros dos negócios rendosos.

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As academias de letras não devem ocupar-se apenas de meras conversações de caratér literário, a portas fechadas, em que mais freqüentes são elogios recíprocos. As academias antes de tudo, têm obrigações educacionais e culturais para com a coletividade, condenando a amoralidade dos dirigentes governamentais e as futilidades das elites empanturradas de dinheiros de origens obscuras. Ninguém se calará diante de escândalos sem conta e frente ao desalento geral de uma pobreza abandonada, sem alimentação, moradia, saúde, escola e à qual resta a "confiança em Deus, que assumiu nossa humanidade e nasceu no estábulo de Belém".

Dom Eugênio sustentou que a palavra cristã esbarra no mau uso da liberdade que esteriliza boa parte da fecunda ação da graça que o Presépio nos oferece.

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Não vivemos a mensagem do Presépio nem a aplicamos à vida coletiva. Sobre o Natal se expressou ainda o cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro: "Infelizmente, a santidade dessa efeméride tem sido fortemente atingida, em nossos dias, por uma série de deformações. O sentido fundamentalmente religioso - Nascimento do Salvador - cede lugar a diversas celebrações, mais provenientes do paganismo que do cristianismo. Assim, a razão dos presentes festejos se distancia do objetivo do Menino-Deus que veio ao mundo para nos remir. O que deveria ser um sinal de alegria interior se torna objeto de comercialização, no seu aspecto meramente pecuniário".

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Esperamos que os brasileiros tenham um 1992 menos angustioso, vencendo pessimismos e fazendo uso dos direitos da cidadania.


A. Tito Filho, 29/01/1992, Jornal O Dia

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