Quer ler este texto em PDF?

quarta-feira, 28 de março de 2012

CONTO E CRÔNICAS

O velho e bom dicionarista Morais definia conto como a narração fabulosa, a história imaginária. De crônica dizia que era a história escrita conforme a ordem dos tempos.

Livros didáticos de literatura citam o chamado gênero narrativo, que compreende história, romance, conto, novela. Esses mesmos livros didáticos costumam ensinar que a história abrange as monografias, anais, memórias, biografias, crônicas. O romance - dizem tais autores - é o desenvolvimento, em prosa, de um assunto. Conto é romance curto. Novela, a forma intermediária entre o conto e o romance, distinguindo-se por apresentar diálogos rápidos, narrações ligeiras.

Littré definiu como história, verdadeira ou imaginada, narração falada ou escrita. Para ele, os contos são acontecimentos da vida real ou as próprias tradições populares cheias de aventuras extraordinárias - aquelas aventuras que, em forma de contos, ingressaram na obra de Maupassant e Daudet.

Dicionários moderníssimos registram crônica como narração histórica, segundo a ordem dos tempos, anotações de episódios, relatos de acontecimentos principais de determinada época, e nos primeiros tempos da literatura portuguesa e estudioso encontra os cronicons ou cronicões ou crônicas medievais, simples repertórios de sucessos da época.

Crônica é, ainda, noticiário de jornais, anotação do quotidiano, comentário do que, no dia-a-dia da vida, aflige e alegra, escandaliza, enternece, entusiasma - e daqui, modernamente, decorrem as crônicas do crime, dos episódios mundanos, aos quais se empresta certo sabor de crítica.

A crônica, entretanto, assumiu posição de verdadeiro gênero literário, embora o fato de ser divulgada em jornal não implique em sua desvalia, como mostra Afrânio Coutinho.

Já disse que crônica se relacionava com o relato cronológico dos fatos sucedidos em qualquer lugar. Também revele que a crônica se identifica com o registro jornalístico, mas esses conteúdos, que explicam às vezes o emprego da palavra pelos antigos e pela voz corrente, não é o conteúdo da crônica como gênero literário. "Crônica, literalmente - diz Afrânio Coutinho - corresponde a pequenas produções em prosa, de natureza livre, em estilo coloquial, provocadas pela observação dos sucessos cotidianos ou semanais, refletidos através de um temperamento artístico".

Sendo a crônica, como queria Álvaro Moreyra, "ligada à vida cotidiana, tem que valer-se da língua falada, coloquial (de conversação), adquirindo inclusive certa expressão dramática no contato da realidade da vida diária".

Da crônica disse Eduardo Portela: a) que não a caracteriza a coerência mas ambigüidade; b) vive presa ao dilema do circunstante; e c) devem ser superadas as suas condições jornalísticas e a sua base urbana para que possa ela construir uma vida além da notícia.

O conto é narrativa dentro da ficção. Não se restringe à vida quotidiana, nem ao circunstante, mas desborda da idéia do tempo e do espaço, localizando os seus panoramas no chão desta terra ou no limitado território da pura imaginação - como ensinou Menotti del Picchia.

Escrita em estilo coloquial, provoca-se a crônica com a observação do quotidiano, enquanto a essência da ficção (conto) está na fuga do espírito às convenções do nosso universo pela descoberta de mundos novos (Menotti). No conto, há transporte para qualquer área da vida (passado ou futuro) e nele existem elementos básicos, da forma lecionada por Álvaro Lins: personagem, ambiência, ação.

Não é o caso de lembrar o aspecto técnico do conto, preso a regras tradicionais de começo, meio e fim, ao suspense, e à intriga. Modernamente, o conto sintetiza elementos fornecidos pelo ambiente e pela pesquisa psicológica - imagem do homem e da realidade, de significado e alcance universais.

Certo é que algumas vezes a lição tem a objetividade do quotidiano e realiza, assim, a crônica - mas também se verifica que a ambigüidade da crônica não raro a conduz ao conto.


A. Tito Filho, 21/02/1992, Jornal O Dia

Nenhum comentário:

Postar um comentário