Quer ler este texto em PDF?

terça-feira, 27 de março de 2012

A TELEVISÃO

Estudiosos em geral depõem que a televisão se tornou um processo dos mais ativos para que se inquiete o homem, sobretudo o futuro do homem, a criança, quando deveria ser importantíssimo meio de educar as coletividades para a vida. Observe-se que as novelas, de platéias numerosas e obcecadas, de conteúdo passional e emocional, dia por dia transformadas em coceira nacional - as novelas deformam personalidades, impõem hábitos, ensinam condutas violentas, deterioram a língua pátria. Pior do que as mazelas condenadas, a televisão brasileira vem praticando a perversidades do empobrecimento cultural do Brasil, e assim se uniformizam costumes regionais da pátria enorme.

Pouco a pouco desaparecem os agradáveis piqueniques de famílias e amigos, pobres e ricos, substituídos pelos americanizados coquetéis nos clubes, em que a elegância faz que se delicia de salgadinhos sem gosto, enfeitados de rodelinhas de azeitonas e salsichas, bem assim doses duplas de uísque gelado que a propaganda insinua como benfeitor das coronárias. Institui-se por força da publicidade a civilização dos enlatados. Sumiram-se as danças típicas, e em lugar delas vigoram os trejeitos, as macaquices, a barulheira e o histerismo do roquenrol, que o anticivismo importou dos norte-americanos, que aqui ganham milhões nos festivais de praça pública. A cozinha dos quitutes gostosos dos nossos avós se transformou na fábrica dos pratos sofisticados de denominação estrangeira nos restaurantes de toda parte. O cinema tem fundamento na violência, no sexo, no adultério, na vileza das ações humanas. A criança desconhece as encantadoras estórias da boca da noite, antes do sono tranqüilo. Hoje se educam nos xôs das xuxas. A língua nacional circula deformada no iê-iê-iê da nação inteira. Não há diferença de tratamento no caso dos pronomes TU e VOCÊ. Ambos se põem na mesma frase do individuo que conversa com o semelhante. A novela orienta a juventude, a maturidade, a velharia para o desrespeito recíproco. Pais e filhos se xingam e se insultam. Os bicheiros, os assaltantes, os traficantes de droga, os vendedores de crianças ganham admiração generalizada. Aos estudantes servem de exemplo as conquistas fáceis e a facilidade de ganhar dinheiro sem o trabalho correspondente. Dinheiro a rodo lucram os profissionais da esperteza. Projeta-se o criminoso e esquece-se a vítima. Não se mostra a atividade honesta, não se elogiam os que cumprem o dever. As bocas deseducadas proferem baixezas como expressões naturais, de pessoas inteligentes e que atuam conforme a moda vigorante. Não se vê na televisão, salvo raramente, a realidade brasileira, o quadro das suas populações sofridas, angustiadas, nenhuma delas exceto alguma vez por exceção, demonstra o mínimo interesse em que os brasileiros conheçam os progressos culturais das regiões do país. Desaparecem pouco a pouco as festas civicas e populares. Até o carnaval carioca, pleno de bom humor antigamente, festa de encantamento e beleza, perdeu as suas características de rua e de clubes, liquidadas pelos bilhões de cruzados gastos na estroinice das escolas de samba do peladismo pátrio e nas baixezas e perversões sexuais dos bailes de degenerados.

A televisão pratica verdadeiro crime espiritual, uniformizando o Brasil. Música, cantoria, cozinha, vestuário, usos, hábitos, costumes, estória, sexo, brinquedos infantis, teatro, cinema, linguajar, lendas, diversões - tudo se vai bitolando para que se eduque um pobre povo abandonado e que se orienta para comprar, para gastar dinheiro na imposição de quanta impostura o industrial fabrique - educação para a conquista de um falso conforto. Os canais de propaganda insinuam que o afeto se reduz ao presente para a mãe, para o namorado, para o pai, e haja dinheiro para enriquecimento sempre maior dos que fabricam e dos que vendem. Desapareceram as práticas regionais. Sufocou-se a arte verdadeira. Impera a subliteratura. A deformação é geral. O Brasil está totalmente submisso a uma civilização empacotado.


A. Tito Filho, 07/01/1992, Jornal O Dia

Nenhum comentário:

Postar um comentário