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segunda-feira, 2 de abril de 2012

O DIA - mais de quatro décadas

Os jornais do século passado abrigavam o noticiário e o registro de casamentos, óbitos e mercadorias de comércio. Na República, com a política passional de ódios e malquerenças intensificadas, o principal prato jornalístico era servido no processo de xingação. Ao lado dos artigalhões desrespeitosos, publicavam-se produções de poetas e prosadores. No começo do século, polêmicas animadas de erudição constituíram a principal matéria de uma pequena elite de intelectuais. De modo geral as batalhas jornalísticas se travavam entre católicos, numa trincheira, e na outra os livre-pensadores, materialistas, vindos do Recife influenciados pelas idéias de Tobias Barreto e Sílvio Romero. A imprensa cada vez mais melhorava de aspectos gráfico, mas a violência da linguagem política persistia. As primeiras reportagens, em várias edições, se publicaram sobre as mortes do professor Jarrinha, do motorista Gregório e do juiz Lucrécio Dantas Avelino, assassinados, crimes que se projetaram fora do Estado.

Na década de 30, Cláudio Pacheco, com o primeiro jornal de linguagem criteriosa, inaugurava a imprensa sem verrinas, mais voltada para a notícia e a informação. Processos novos, portanto, e que contavam com a cooperação do jovem e talentoso estudante Abdias Silva, que viria a tornar-se figura exponencial do jornalismo brasileiro. Em 1937, Getúlio Vargas golpeia a constituição do país e assume o governo ditatorial, com poderes tão violentos que lhe permitiam anular decisões do Supremo Tribunal. Com a queda do ditador, em 1945, arregimentaram-se as forças políticas em dois grandes partidos, o Social Democrático, getulista, e a União Democrática Nacional, adversária - e as duas agremiações em Teresina vieram a tona dos jornais. Voltou-se aos velhos tempos, em que as xingações prevaleciam sobre qualquer assunto, e elas perdurariam até o governo rocha furtado, período em que ao menos a vida privada se respeitava; nem a honra, ao menos o mérito.

A 31 de janeiro de 1951, na sucessão de Rocha Furtado, assumiu o governo um homem simples, Pedro de Almendra Freitas, que, ainda na campanha, assegurou a sua intenção de tranqüilizar a vida partidária piauiense. Esquivou-se de perseguições e violências contra adversários. Assegurou um clima de desarmamento dos espíritos e de garantias de ampla divulgação de idéias de todos. Desta forma possibilitou que se pudesse exercer livremente o jornalismo. Pedro, homem arguto e respeitável membro da sociedade, mereceu a confiança dos concidadãos. Houve paz e a política se exerceu sem temores, sem ódios e malquerenças.

No dia seguinte da posse de Pedro Freitas, surgiu O DIA, fundado por Raimundo Leão Monteiro, conhecido por Mundico Santídio e apelidado por todos como "Mão de Paca". Era primeiro de fevereiro de 1951. O órgão circulou durante muito tempo, quintas e domingos, com a assistência do tarimbado jornalista Orisvaldo Bugyja Britto, moço ainda e bem conhecedor da arte de redigir. Foi curta a sua função de redator.

Raimundo Leão Monteiro era homem de poucas letras, mas tinha inteligência e objetivo de ganhar dinheiro. Palrador nas bancas de café e mesas de cerveja, por vezes dado ao deboche, cercava-se de alguns cidadãos que muito apreciavam as pilhérias do proprietário de O DIA. Homens de prestígio intelectual e social, que não queriam os nomes respeitosos envolvidos em críticas e comentários contra o governo ou pessoas por eles antipatizados, buscavam em Mundico o amparo necessário para publicar-lhes os artigos, que Mundico publicava sob pseudônimo, escondendo a autoria. E O DIA circulava com as páginas repletas dos mais variados assuntos em artigos assinados por Petrus, Edgaroff, Malthus, Lutecius e outras denominações. Na mesma página o jornal estampava evidentes contradições entre os colaboradores. Nessa fase o órgão nunca se preocupou com os sofrimentos coletivos nem com o noticiário de interesse social. Raramente se via trabalho jornalístico com a responsabilidade própria.

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Passei algum tempo afastado das lutas de jornal. Parece-me que em 1966, ou pouco antes, pertencia a Octávio Miranda o órgão e estava com a orientação desse talentoso e sério Deoclécio Dantas, que me convocou para os editoriais de O DIA, inseridos na primeira página. Escrevia-os diariamente sobre assunto oportuno e atual. Comentários seguros, de linguagem cuidada, crítica e censura, a fatos administrativos e ofensas à sociedade pelo cinema ou pela irresponsabilidade de alguns. Deoclécio redigia noticias e informações, conferindo-as em busca da verdade. O DIA adquiriu grande credibilidade. O que se procurava corrigir, merecia pronto atendimento das autoridades ou responsáveis por instituições privadas. Deixei o jornal para atendimento de minhas obrigações de professor, que se distribuíam por manhãs e tardes inteiras e o pedaço da noite, entre as 19 e as 22 horas. Hoje sou seu humilde colaborador.

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O DIA perfaz, neste primeiro de fevereiro, 41 anos de vida. Quando o adquiriu e o montou para nova fase, Octávio Miranda pensou igualmente em dotar Teresina de um jornalismo moderno, em que se encontrassem a notícia, a informação, o comentário desapaixonado, como se fora um órgão de educação e princípios. Neste ponto o seu alto merecimento. Entendeu a lição de Cláudio Pacheco trinta anos atrás - o jornal não se faz com interesses pessoais, mas com a força orientadora da opinião pública. E pautou O DIA por tais caminhos, liquidando a imprensa baseada em injúrias, calúnias e difamações.

Nos 41 anos de vida completados, Octávio Miranda fez jus à gratidão dos piauienses, por haver dotado Teresina de um organismo que serviria de escola e lição permanente a outros jornais que se instituíram.


A. Tito Filho, 01/02/1992, Jornal O Dia