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sexta-feira, 2 de março de 2012

LITERATURA PIAUIENSE

Gosto das lições de Nelson Werneck Sodré, claras, boas de aprender. Ajudam a cachola ao raciocínio, à compreensão. Magnífico no OFÍCIO DE ESCRITOR, livro que deveria figurar nas bibliotecas dos que pretendem íntima comunhão com os problemas literários. Qual deve ser o objetivo de escritor? Captar a realidade e transpô-la para a literatura, como se copiasse o espetáculo da vida social, da forma que fez Balzac com a avareza e Shakespeare com o ciúme. Necessário que se busquem os fundamentos populares da sociedade, pois a cultura de elite se deforma. A cultura oficial sempre se mostra aleijada e falsa. Só a cultura popular tem raízes certas. A literatura se completa exclusivamente com a participação do povo.

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Existe literatura piauiense? Creio que sim, uma vez que as obras dos nossos escritores revelam aspectos da vida social do homem piauiense, na paisagem geográfica piauiense e no momento histórico piauiense. E isto é literatura. Vejamos os autores mortos, a fim de que evitemos aborrecimentos por parte dos vivos que às vezes a gente deixa de citar.

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Circunstâncias históricas e mesológicas criaram para a literatura piauiense feição peculiar de responsabilidade do nosso isolamento geográfico e cultural, durante anos. Em razão disto, ainda se discute a respeito da existência de uma literatura piauiense. Cremos, porém, na sua existência, porque temos o homem piauiense na elaboração de processo literário num espaço geograficamente piauiense. Há, entre nós, aquela literatura regional definida por Stewart - localizada numa região e que retira substância real desse local: "Essa substância, primeiramente de fundo natural - clima, topografia, flora, fauna, etc. - como elementos que afetam a vida humana na região; e, em segundo lugar, das maneiras peculiares da sociedade humana estabelecida naquela região e que a fizeram distinta de qualquer outra”.

É este o sentido do regionalismo autêntico, como quer Stewart.

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No poeta José Coriolano figuram com nitidez e simplicidade a labuta da gente humilde, o acordar do dia, a vibração da floresta, os espetáculos da natureza piauiense. A descrição das nossas matas, os animais da floresta, o sertanejo nas caçadas ardilosas está em Teodoro Castelo Branco. Hermínio Castelo Branco fixou a fala, os hábitos, o desafio, o gado, a crendice, tipos de alimentação, hipocrisias eleitorais, cenas de casamento, tudo ligado à caboclada. Clodoaldo Freitas tem poesias sertanejas admiráveis, como José Manuel de Freitas enalteceu o interior piauiense na labuta dos currais. que dizer de Lucídio Freitas nos poemas em que cantou uma Teresina rica de sentimentos espirituais do seu tempo? Da Costa e Silva e a saudade, a terra natal, as cenas das enchentes, do incêndio da mata, do rio, da balsa, em quadros imorredouros de beleza e expressividade? A desolação e o martírio da seca se lêem em Martins Vieira. O grande Abdias Neves reproduz com exatidão a Teresina do fim do século XIX e começo do XX. Jamais esqueceram aspectos folclóricos e cenas provincianas poetas e prosadores como João Ferry, Artur Passos, Domingos Fonseca. Sem necessidade de encompridamento da lista, encerremos com Fontes Ibiapina, admirável fixador e intérprete do nosso regionalismo tão rico e pleno de força popular.

Existe literatura no Piauí - e os vivos têm lugar de destaque na moderna literatura nacional.


A. Tito Filho, 03/05/1992, Jornal O Dia

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