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terça-feira, 27 de março de 2012

O NU DAS MULHERES

Deus colocou o homem no jardim do passeio. Achou que não era bom que o homem estivesse só. Fez cair pesado sono sobre ele, tomou uma de suas costelas e transformou-a numa mulher. Entregou a varoa ao varão, ambos nus e vergonha não sentiam. Como se vê, o nu dessas criaturas vem de raízes bíblicas. Mas a serpente sagaz fez que Eva comesse o fruto proibido e ela deu-o também ao marido e ele também comeu. Abriram-se os olhos de ambos e, percebendo que estavam nus, cobriram-se de folhas de figueira. E por aí se contam os fatos.

Deus os fez nus e eles se envergonharam e esconderam os possuídos da forma mais simples que foi possível, depois da comilança da maça.

Os séculos se foram, na vertiginosa passagem dos anos. Cada dia homem e mulher mais se metiam debaixo de pesadas roupas. Chegaria ao mundo a civilização dos norte-americanos, que instituiu a produção em massa de produtos industriais e necessariamente deveriam criar nos dois sexos a filosofia da compra, ou processo civilizatório do consumismo. Criaram-se anúncios comerciais por através de um processo de condicionamento de reflexos. Revistas, jornais, cinema, cartazes, televisão, envoltório dos mais diversos objetos - de sabonetes, de rádio, de pente, de perfume, de pó-de-arroz, de brilhantina, de loção, de alpergata, - tudo começou a estampar mulher quase nuas, nádegas descobertas, por trás fio-dental, seios perfurantes ou balançando com o topless, sueteres colados para maior realce de pontos e lugares e saliências provocantes de sensualidade. Peças íntimas cada vez mais reduzidas expunham-se em vitrinas. Realçava-se a esbelteza do busto à custa de acolchoamentos. O método mais certo de atrair fregueses para a filosofia da compra esteve na exibição de corpos femininos desnudos, ao lado dos produtos anunciados. Em tudo a sexualização dos sentidos. Estabeleceram-se os concursos de misses, as misses de remelexos lascivos para a cupidez das platéias estrondeantes em palmas demoradas para exaltação da carne. Simplesmente, o nu da propaganda, sem aspecto artístico de espécie alguma. Não se tratava de um nu de Ticiano, mas do nu comercial, convocativo. Cada hora que passava a mulher perdia roupa até que chegou ao peladismo total e constante nas buates, nas praias, nas ruas - e a gente já cansou de ver tanta fêmea despida que o feitiço virou contra o feiticeiro. As revistas de nu total e sexo explicito estão sobrando e os editores já apelam para o sexo mulher versus animal. Uma estupidez este fim de século XX. Se o escrivão de Pedro Álvarez Cabral chegasse hoje ao Brasil, escreveria ao rei dando a notícia do descobrimento e das mulheres que os marujos encontraram: "Ali andavam entre três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olhamos, não se envergonharam".

Alguns idiotas pensam que o nu é progresso e mostra a beleza feminina - mas os idiotas jamais aplaudiriam que suas respeitáveis mães, esposas e filhas desfilassem nuinhas em pêlo pelas praias, pelas ruas, pelos becos de folia momesca ou frequentassem os motéis luxentos e luxuriantes de camas giratórias. Nu é bonito e bom na mãe do distinto amigo, na esposa do próximo, na filha de alheios pais.


A. Tito Filho, 11/03/1992, Jornal O Dia

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