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quinta-feira, 29 de março de 2012

RETRATO

Se me lembro e quanto do velho processo de culpar os outros pelo que praticamos erradamente. Assim se dava na escola. As professorinhas de curso primário não conseguiam que os meninos aprendessem. Nem a palmatória das rabugentas mestras de antanho, feias, solteironas, que mantinham escolas particulares de ensinança do ABC e da tabuada, palmatória ameaçadora, só a muito custo conseguem meter na cachola da petizada o necessário à respectiva desasnação. A culpa, diziam eles, pertencia à família, que não educava os filhos para o estudo, mas incentivavam a deseducação e estimulavam a vadiação. Recebiam-se bolos a valer, para a aprendizagem da operação de dividir números inteiros.

O sujeito saia do primário e ingressava no ginásio, depois do exame de admissão rigoroso. Professores carrancudos, exigentes, não suportavam a burrice dos discípulos. E haja reprovações. Oito ou mais disciplinas se destinavam aos estudantes já taludos. Depois, o ensino superior com dificílimas provas no chamado vestibular.

Os professores do ensino ginasial culpavam o ensino primário pelas dificuldades em que se viam os estudantes. Péssima aprendizagem. Nas faculdades superiores, tropeços constantes, e logo os mestres atiravam a culpa no ensino antecedente. E se o ensino superior diplomava doutores ricos de burrice, a culpa tinha como responsável o curso de humanidades, nos velhos tempos chamados ginasial ou secundário.

Quando se buscava explicação na família, esta se defendia, e bem, culpando o governo, sempre de maus exemplos, e a sociedade dos homens, cujos modos de vida mereciam veementes censuras. Só aprendia o sujeito que quisesse.

*   *   *

A promessa eleitoral de Collor, em que acreditaram 35 milhões de brasileiros, apoiou-se na morte da inflação. Apregoava o candidato que vinha um só tiro na arma poderosa, com o qual mataria, sem dó nem piedade, o bicho-papão da economia dos patrícios. A ministra Zélia, uma paixão, seqüestrou poupanças e aplicações dos dinheiros de pobres e ricos, para o objetivo de enterrar o regime inflacionário.

No dia da posse presidencial, a carne nessa tão maltratada Teresina custava duzentos cruzeiros o quilo. Carne de primeira, sem pelancas, sem osso. Hoje se compra o mesmo produto, carregado de sujeira, por quatro mil e quinhentos cruzeiros. Que os matemáticos calculem a percentagem do aumento.

O tiro saiu pela culatra. A inflação continua a sugar os raquíticos vencimentos de operários e dos funcionários públicos. Mas logo se encontrou o grande responsável: a exploração do comércio. A ministra, uma paixão, encontrou, como Sarney na época do cruzado a saída fácil do tabelamento. As prateleiras dos comerciantes esvaziaram-se, liberaram-se os preços, e o presidente fixou a responsabilidade dos empresários, e estes se explicaram com a alegação dos aumentos constantes do valor da matéria-prima. E assim por diante, distante e onerosos os processos de fabricar produtos. Alegou-se ainda os altos impostos oficiais e os escorchantes juros bancários.

Mas qual o grande aumentador de preços neste país? Simples, o próprio governo, nas taxas constantes de gasolina, energia, telefone, correio, com aumentos mensais. A verdade verdadeira está em que o Brasil representa a tragédia de um povo sem alimentação, sem saúde, sem escolas, sem transporte, sem que possa ao menos sobreviver, sustentado de salários vergonhosos.

Deus se apiede dos milhões miseráveis do Brasil.


A. Tito Filho, 16/02/1992, Jornal O Dia

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