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sábado, 3 de março de 2012

O SAUDOSO BAMBA DA ZONA

Desviaram-se os concludentes da Faculdade de Direito do Recife, 1908, por causa da escolha do paraninfo - e os desavindos tiveram dois quadros de formatura. Num deles, piauienses - Simplício de Sousa Mendes, Corinto Andrade e José de Arimathéa Tito. O paraibano José Américo de Almeida participou de outro quadro.

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Meninote, chegava eu a Teresina no velho caminhão de Juquinha Santana, carga e passageiros juntos, ano de 1933. No pontão do rio Poti, pois não existia ponte de madeira ou de cimento, tinha-se notícia do gesto do professor Leopoldo Cunha, que atingiu com duas balas de revólver o desembargador Simplício Mendes, na praça Rio Branco. Minha meninice deu pouca importância ao caso. No ano seguinte, sob a presidência do juiz José de Arimathéa Tito, o atirador teve absolvição unânime pelo Tribunal do Júri. Advogado do réu, o próprio pai Higino Cunha, intelectual brilhante e mestre, modesto e honrado, que, lida a sentença, ajoelhou e beijou a mão do magistrado, como homenagem à justiça. Cena comovente na sala do julgamento.

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Ano de 1938, meu pai José de Arimathéa Tito chegou ao Tribunal de Justiça, passando a compor o colegiado juntamente com Ernesto José Batista, Cristino Castelo Branco, Adalberto Correia Lima, Esmaragdo de Freitas e Sousa e Simplício de Sousa Mendes - fase áurea da corte piauiense. Disputada a vaga, não se aproveitou na lista de promoção, o juiz Eurípedes Melo, irmão do interventor federal Leônidas Melo, que se vingou de três desembargadores, aposentando-os pela violência e, com o ato, liquidando a credibilidade e o respeito do Tribunal. O castigo recaiu nos que votaram contra Eurípedes, os magistrados Esmaragdo, Simplício e Arimathéa - unidos agora numa luta sem trégua contra o autor da prepotência.

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Em 1947, depois de cinco anos no Rio de Janeiro, regressei a Teresina, época em que comecei a aproximar-me de Simplício, jornalista de intensa atividade. Tinha ele o prestigioso apelido de bamba da zona - ou porque não rejeitasse desafio dos adversários políticos, ou porque fosse autoridade na espetacular conquista de quengas dos mais variados feitios, nas zonas respectivas da cidade, especializado na mulataria apetitosa.

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Coma morte de meu pai, em 1963, mais me liguei a Simplício. Tornei-me auxiliar seu na Academia Piauiense de Letras, no Conselho Estadual de Cultura, na Casa Anísio Brito (biblioteca, arquivo e museu do Estado). conheci-o de perto. O mestre apreciava cousas bem feitas. Desfrutava de muito prestígio pessoal. Melhorou sempre as entidades cuja direção lhe eram confiadas. Culto. Bom amigo. Lutador sem medo. Estudioso, em "O Homem, a Sociedade, o Direito", publicado em 1934, pareceu profeta da agonia universal: "Estará, sempre, como lastro, o império das ambições desenvoltas, pelo culto de um individualismo à outrance, originando o poder incontrastável do capitalismo, a exploração do homem pelo homem e o desconhecimento ou o desprezo das mais preponderantes diretrizes da solidariedade social".

De vício, Simplício cultivava somente rabo-se-saia.

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Aos 86 anos de idade, o notável intelectual esteve em Congresso Nacional de Conselhos de Cultura, no Rio. Na ilustre companhia de Simplício, eu e Fontes Ibiapina. Faleceria a de janeiro de 1971.

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Lili Castelo Branco, no seu modo gostoso de contra, relembra episódios da vida de Simplício de Sousa Mendes. Uma beleza a narrativa simples e cativante reproduzida depois de ouví-la da protagonista. A escritora pôs no papel a figura do famoso jornalista e cultor da ciência jurídica, administrativa de órgãos culturais e incentivador da vida intelectual de Teresina - sem esquecer o amante incorrigível de dezenas de mulheres bonitas - donzelas, casadas, desquitadas, amarradas, viúvas, que lhe povoaram e realizaram os sonhos de noites fogosas em camas perfumadas.

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Nunca esquecerei o velho amigo, o saudoso bamba da zona - mestre do Direito, do jornalismo, do trabalho produtivo e do ideal de paz e justiça social - e mestre de amores maravilhosos, como ele confessou e da forma que o mostra a pena inteligente e afetiva de Lili Castelo Branco.


A. Tito Filho, 21/05/1992, Jornal O Dia

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