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segunda-feira, 2 de abril de 2012

DESERTIZAÇÃO


Era no tempo das cousas sérias, e uma das seriedades da vida brasileira residia nos concursos de magistério. Encontrava-me na direção do Colégio Estadual do Piauí, educandário que hoje se denomina Zacarias de Góis, o fundador, ainda em Oeiras, antiga capital, nos anos de 1845, então chamado Liceu.

Promovi alguns concursos no tradicional colégio e era empolgante assistir aos exames respectivos, como a difícil defesa de tese que os candidatos escreviam sobre assunto da disciplina.

Lembro-me bem do concurso de Geografia do Brasil, com três candidatos: Darcy Fontenele de Araújo, Delfina Boavista e João Gabriel Baptista, professores cultos, admirado e com muita experiência didática. Cinco mestres de reconhecida idoneidade intelectual compunham a banca examinadora: Simplício Mendes, Álvaro Ferreira, Valdemar Sandes, Lysandro Tito de Oliveira e James Azevedo.

Desejo neste modesto artigo de jornal relembrar que os três candidatos alcançaram, merecidamente, notas distintas, que os aprovou para a cadeira pretendida, em caráter vitalícia.
Concurso famoso, de muita repercussão.

Dos três candidatos, Darcy Fontenele de Araújo alcançou o primeiro lugar. A tese que ofereceu à consideração dos examinadores intitulou-se "A Desertização do Nordeste Brasileiro e do Vale do Parnaíba" - discutida valente e brilhantemente pelo autor.

Eis as conclusões a que chegou Darcy, ao escrever o seu magnífico trabalho, no ano de 1951:

"I - O regime fluvial das caatingas e carrascos do Vale do Parnaíba é idêntico ao da zona semi-árida do Nordeste brasileiro, tanto em relação às médias pluviométricas, como no que diz respeito à distribuição das chuvas anuais. Duas são as estações: uma chuvosa e outra seca.

II - Registram-se no Vale do Paraíba os mesmos fatores que concorrem para a agravação da aridez ou desertização do Nordeste: a) verões prolongados; b) devastação do revestimento vegetal do solo, inclusive das margens dos rios, praticado pelo homem; c) as secas periódicas.

III - A desertização do Nordeste e do Vale do Parnaíba não tem impedido o aumento de população nas duas regiões. Do adensamento demográfico tem resultado a intensificação da ação humana sobre o meio físico, como fator de desertização nas duas regiões.

IV - Reflete-se no Parnaíba a desertização do seu vale, através do empobrecimento dos grandes afluentes. Esta e outras causas que atuam negativamente sobre o curso do rio poderão levá-lo sucessivamente à extrema debilidade, ao regime dos rios nordestinos e, finalmente num estágio mais avançado, em fundo impossível de ser determinado, poderão transformá-lo num oeud, do tipo saariano, descendo do planalto para perder-se nos areais do leito, sem atingir o termo da longa caminhada até o oceano e constituindo simples vestígios de uma bacia hidrográfica desaparecida".

O problema do rio Parnaíba, como vê, mostra-se antigo. Difícil a salvação.


A. Tito Filho, 22-23/03/1992, Jornal O Dia

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