Quer ler este texto em PDF?

segunda-feira, 2 de abril de 2012

CIVILIZAÇÃO X NATUREZA

Cavalos beirando o rio, ramagem de salça-do-campo e muçambê, borboletas, pássaros cantando...

Essa paisagem bucólica, contrastada apenas pelas águas sujas e o lixo, situada no trecho mais fétido do Riacho Mocha, entre as duas pontes, foi varrida do mapa.

A causa não foi uma enchente. Não foi um incêndio. Foi uma obra do governo municipal.

A obra é a galeria-esgoto, construída no ano passado. Uma obra antiecológica e cara.

Com a galeria o leito do riacho foi retificado, isto é, seu curso natural foi alterado e nele construído um canal primário de aproximadamente 400 metros. O leito foi calçado com pedras e cimento. Em ambos os lados do canal, duas pistas de piçarra. Nenhuma árvore foi plantada.

Com a galeria-esgoto, o verde que restava na área deu lugar ao cinza. O Sr. Chiquesa Dantas, proprietário do pequeno terreno na área, também deu sua contribuição: mandou cortar as mangueiras que restavam, em pleno Dia Mundial do Meio Ambiente.

Aquela área do Mocha merecia uma intervenção, e esta veio, só que de maneira equivocada. Ao invés de recuperar as margens - que protegem qualquer curso d'água - a obra acabou de destruí-las. E o pior: não resolveu o problema de saneamento. O lixo continua sendo jogado na área, os esgotos continuam escoando para o Mocha, sem nenhum tratamento.

Além de antiecológica e cara, a galeria-esgoto é uma obra feita sem nenhuma preocupação estética. É uma curva larga, deserta, cinza que destruiu a vegetação que restava e anulou os lajedos e os arcos da Ponte Velha.

Isso nos remete a um problema de linguagem muito sério. Como se sabe, os objetos e as coisas não existem somente em si mesmos. Eles constituem signos de linguagem. Como linguagem, a galeria-esgoto é uma obra negativa, não estimula nenhuma espécie de pensamento agradável.

Como reagiu a comunidade diante do tal fato? Em parte com indiferença. Em parte, dando total apoio. Não houve discussão ou questionamento. Nenhum educador ou "representante do povo" se manifestou. não houve protestos, nem mesmo da juventude ou dos estudantes. Isso demonstra o conformismo generalizado e a falta de opiniões independentes em Oeiras.

E vem mais coisa por aí. A Prefeitura já anunciou oficialmente que tem projeto de "retificação" de Riacho Pouca Vergonha. A faixa do Mocha, entre a Ponte Velha e o Poço dos Cavalos, também não está a salvo do "progresso".

Muita gente (ainda) acha que o Mocha deve ser preservado por causa de sua propalada "importância histórica". Mas um riacho deve ser conservado e limpo por ser curso d'água, pois a água é fonte de VIDA, e não por causa das esperas dos primeiros colonizadores piauienses.

O problema do Mocha e do Pouca Vergonha já foi objeto de alguns debates públicos e protestos. Boas alternativas já foram apresentadas, mas nem a comunidade e nem qualquer das administrações públicas fez qualquer tentativa séria pra solucionar o caso.

Se existir solução, não acreditamos que ela se encontre em projetos feitos em gabinetes que não vêem a luz do sol. No nosso modo de entender, não há necessidade de obras gigantescas, elas custam os olhos da cara, o tempo dos faraós já passou. não é tamanho nem a quantidade que resolvem, mas talvez a qualidade.

Seria leviano botar a culpa dos problemas ambientais de Oeiras exclusivamente no governo. Isso fica para os pobres de argumento. A verdade é que toda a sociedade está enferma. Essa enfermidade é muito mais evidente no Ocidente e sua deturpada idéia de progresso.

O distanciamento da natureza e a destruição do espaço vital é um fenômeno generalizado nos países capitalistas e de tradição judaico-cristã que vêem na natureza uma mera fonte de recursos econômicos.

Mocha, Pouca Vergonha, Amazônia, usinas nucleares, armas atômicas viajam no mesmo barco. No mesmo barco em que viajam escolas, partidos políticos, religião, fome, índios, menores abandonados, eleições presidenciais, capitalismo selvagem...

A poluição do Riacho Mocha e de Pouco vergonha e a destruição das suas margens é resultado de um processo histórico iniciado com a chegada do primeiro colonizador português em terras piauienses. É resultado principalmente do modo de viver dos oeirenses. Quem tiver alguma dúvida, basta olhar em volta. Ou para o próprio corpo.

Este comentário pertence ao brilhante oeirense Rogério Newton.


A. Tito Filho, 04/06/1992, Jornal O Dia

Nenhum comentário:

Postar um comentário